segunda-feira, 31 de março de 2014

Pastores, Divórcio e Novo Casamento




Afinal, qual a importância de um casamento sólido e duradouro para o ministério pastoral? Paulo escreveu que “é necessário que o bispo ... seja esposo de uma só mulher” (1Tm 3.2). Podemos interpretar essa passagem de duas ou três maneiras diferentes, mas todas elas, ao final, falam da necessidade de um casamento exemplar para os líderes cristãos. Creio que há vários pontos que podem ser mencionados aqui.

O primeiro é a paz e o sossego que um casamento estável oferece e que se refletem inevitavelmente na lide pastoral. O segundo ponto é o exemplo, para os filhos, se houver, e para os casais da igreja que pastoreia. Todos esperam que o casamento do pastor seja uma fonte de inspiração e exemplo. Casamentos que dão certo e duram a vida toda funcionam como uma espécie de referencial para os demais casamentos, especialmente se for o casamento do pastor.

O terceiro ponto é a questão da autoridade. Não era esse o receio de Paulo, que após ter pregado a outros não viesse ele mesmo a ser desqualificado? (1Co 9.27). Qual a autoridade de um pastor divorciado já pela segunda ou terceira vez para exortar os maridos da sua igreja a amarem a esposa e a se sacrificar por ela? Essa história aconteceu com um pastor que foi colega meu de seminário. Certo dia, falando na igreja sobre os deveres do marido cristão, sua própria esposa se levantou no meio do povo e disse, “É tudo mentira, ele não faz nada disso em casa!”. O pastorado daquele colega acabou ali mesmo.

Mas tem um quarto ponto. Pastores que já vão no segundo ou terceiro casamento estão passando a seguinte mensagem para os casais da igreja: “O divórcio é uma solução legal e fácil para resolver os problemas do casamento. Quando as coisas começam a ficar difíceis, o caminho mais rápido é o da separação e o recomeço com outra pessoa”. Essa mensagem é também captada pelos jovens, que um dia contrairão matrimônio já pensando no divórcio como a saída de incêndio.

Não que eu seja absolutamente contra o divórcio. Como calvinista, entendo que o divórcio é permitido naqueles casos previstos na Escritura, que são o adultério e a deserção obstinada (Mateus 19.9; 1Coríntios 7.15; ver Confissão de Fé de Westminster XXIV, 6). Sou contra a sua obtenção por quaisquer outros motivos, mesmo que fazê-lo seja legal no Brasil.

Fico me perguntando se, ao final, tudo isto, não é uma versão moderna e evangélica da velha poligamia. Como ela é proibida no Brasil e rejeitada por uma parte das igrejas, alguns pastores acharam esse meio de ter várias mulheres durante o seu ministério, embora não ao mesmo tempo, que é casar-se várias vezes em seqüência, com mulheres diferentes.

sábado, 29 de março de 2014

Macumba pega no verdadeiro cristão?


Será que mau-olhado, macumba e mandinga pegam no verdadeiro cristão? Certamente que não!
Mas por que será que, vez por outra, encontramos no meio do povo de Deus alguns crentes que, só de ouvir sobre este assunto, ficam com grande medo? A resposta pode estar em Mt 22.29: “Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus”. Por não estudar a Bíblia como deveria, e não manter comunhão com Deus, o “crente” se sente fraco, impotente diante do inimigo e, por isso, o sentimento de medo toma conta de sua vida.
Não devemos desprezar a realidade do mundo espiritual. O apóstolo Paulo fez recomendações à igreja de Corinto, esclarecendo: “para que Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios” (2Co 2.11). Ou seja, o inimigo de nossa alma é real, mas não tem todo poder, por isso ele não pode entrar na minha vida.
Agora, aquele que se diz cristão e vive como um descrente, seu coração está aberto para o inimigo entrar e sair quando desejar: “… E, tendo voltado, a encontra vazia, leva consigo outros sete espíritos…” (Mt 12.43-45).
Quero listar algumas justificativas do porquê macumba não pega no verdadeiro cristão:
1) – Porque o verdadeiro cristão é templo do Espírito Santo – Quando aconteceu nosso encontro com Jesus, o Espírito Santo passou a fazer morada em nosso coração (1Co 6.19).
2) – Porque o verdadeiro cristão é propriedade exclusiva de Deus – Outrora quem conduzia nossa vida era o mundo, a carne e o diabo e realizávamos aquilo que desagradava a Deus e agradava aos inimigos de nossa alma. Mas, em Cristo, nos tornamos “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1Pe 2.9). Portanto, não podemos ser violados pelo diabo.
3) – Porque quem rege a vida do cristão não é a sorte, o acaso nem o diabo, mas o Deus todo poderoso, que tem o controle de tudo em suas mãos, inclusive de nossa vida (Sl 116).
4) – Porque maior é Jesus, que habita no coração do cristão, do que o diabo e seus subordinados que vivem neste mundo (1Jo 4.4).
5) – Porque, em Cristo Jesus, todas e quaisquer maldições foram desfeitas − Paulo afirma: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para aquele que está em Cristo Jesus (Rm 8.1). O fato de estarmos em Cristo nos torna livres de pragas, maldições, encostos, maus-olhados, olhos gordos, despachos ou qualquer outra ação do maligno contra nossa vida.
Amado irmão, não permita que o mundo ou o diabo possam roubar a paz de sua vida. Não aceite que os agentes do diabo lhe venham causar temor ou medo no coração. Traga sempre na mente que, em Cristo, você é mais que vencedor e que qualquer maldição que for lançada contra você cairá por terra, em nome de Jesus.

O que dirige sua vida?



“Entretanto, procurai com zelo os melhores (maiores) dons”.
“E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente.”(1Co 12.31;Rm 12.3-8)
Introdução:
Quando Paulo fala em “procurai com zelo”, ele usa o verbo no imperativo. Isto significa que é uma ordem a ser cumprida. Paulo está recomendando: “Sede zelosos na busca dos melhores dons”, ou então: “Esforçai-vos por buscar os dons espirituais.”
“Os melhores dons” literalmente seriam os maiores dons os quais podem trazer mais vantagens a nós como igreja. Para uma boa edificação são necessários os melhores dons e estes seriam as profecias. (1 Co 14.1). No versículo 1 do capítulo14, Paulo fala em mostrar um caminho mais excelente. Que caminho é esse?
O crente deve buscar os dons mais elevados, mas deve procurá-los através do amor cristão. “Pois é através do amor que o uso dos dons espirituais devem ser controlados.” (Champlin, Vol IV Pg 201).
Assim, quando encontramos nossos dons conforme Rm 12.3-8 e através do amor, vamos encontrar nossos propósitos e ver as vantagens de ter a vida dirigida por eles (propósitos).
As vantagens de ter uma vida dirigida por propósitos:
1. Conhecer o propósito de sua vida faz com que ela tenha sentido.
Fomos criados para sermos importantes. Muitos buscam descobrir o significado de suas vidas e a direção das mesmas em consultas aos astros, na psicologia e em outros métodos obscuros.
Se você não tiver Deus, sua vida não tem propósito; se não tem propósito, não tem significado e sem significado, não tem importância ou esperança. (Is 49.4 NVI; Jó 7.6 BV).
“A maior de todas as desgraças, não é a morte, mas uma vida sem propósito.”
(Warre6n 2003 pag 29)
Não se desespere se você ainda não encontrou o propósito na sua vida; busque em Deus para compreender sua vida e Ele fará maravilhas em você. (Jr 29.11; Ef 3.20)
2. Conhecer seu propósito simplifica a vida.
O que vamos fazer ou não é definido quando conhecemos nosso propósito. Ele se torna o padrão que nos ajuda a avaliar ações que são essenciais e as que não são. Com o propósito definido, você define se sua ação cumpre o propósito de Deus em sua vida. “Sem um propósito claro, ficamos sem alicerce sobre o qual fundamentar decisões, destinar o tempo e empregar recursos.” (Warren 2003 pag 29)
Quando não se conhece o propósito, você tende a realizar coisas além do necessário.
“É impossível fazer tudo o que as pessoas querem que você faça. O seu tempo só é suficiente para fazer a vontade de Deus.” (Warren 2003 pag. 30)
Quando você define seu propósito, sua vida se torna mais simples e sua agenda mais equilibrada.
– Conhecer seu propósito direciona sua vida.
Quando seu propósito o direciona, seus esforços e energias são concentrados no que é importante. Ao selecionar seus objetivos, você o faz com mais eficiência. O ser humano tem a tendência de se distrair com coisas sem importância. Sem um alvo definido você direciona mal seus objetivos e acaba por não chegar a um resultado satisfatório e fica fazendo tentativas para acertar. (Ef 5.17)
Uma vida com propósito tem poder de direção. Homens e mulheres que marcaram a história tiveram vidas direcionadas por propósitos. (Fl 3.13) Paulo tinha um propósito.
“Se você quer que sua vida tenha impacto, focalize-a! Deixe de ser inconstante. Pare de fazer de tudo. Faça menos. Corte até mesmo as boas atividades e faça somente o que for mais importante. Nunca confunda atividade com produtividade. Você pode estar ocupado sem ter um propósito.” (Warren 2003 pag 31)
Lembra-se de Marta. Ocupada e distraída com tantas coisas, menos com a mais essencial. Maria ao contrário, canalizava sua atenção e energia para o que Jesus estava ensinando.
– Conhecer seu propósito estimula a sua vida.
Quando você tem um propósito, se dedica a ele, tem êxito no que faz e trabalha com mais animação. Um propósito compreendido traz mais entusiasmo e vigor. Sem propósito a paixão passa, se evapora.
“É normalmente o trabalho sem sentido, e não o excesso de trabalho, que nos esgota, solapa nossas forças e rouba o nosso prazer.”(Warren 2003 pag 31)
George Bernard Shaw escreveu “Esta é a verdadeira alegria da vida: ser usado por um propósito reconhecido por você mesmo, como digno. Ser uma força da natureza, em vez de ser um exaltado e egoísta amontoado de ressentimentos e frustrações, sempre reclamando que o mundo não se devota a torna-lo feliz.” (Shaw in Warren 2003 pag 31)
– Conhecer seu propósito o prepara para a eternidade.
Pessoas vivem tentando fazer coisas para que quando partirem daqui, outros se lembrem deles para sempre. Querem deixar como herança seus feitos. Mas para Deus, isso não é importante. Deus quer apenas que você cumpra com dignidade o seu propósito. Todas as realizações dos homens serão esquecidas um dia. Outros vão supera-lo. Depois outro e mais outro. Recordes são superados, homenagens esquecidas.
Viver para criar um legado na terra é um objetivo tacanho. Uma utilização mais sábia do tempo é construir um legado eterno. Você não foi posto na terra para ser lembrado. Você foi posto aqui para se preparar para a eternidade.” (Warren 2003 pag 31 - Rm 14.10b-12).
Ao nos apresentarmos diante de Deus, duas perguntas podem nos ser feitas:
A. O que você fez com meu Filho Jesus Cristo?
Deus certamente não vai perguntar sobre sus religiosidade ou convicção doutrinária; mas perguntará: Você aceitou o que Jesus fez por você, aprendeu a amá-lO e confiar nEle (Jô 14.6)
B. O que você fez com o que Eu lhe dei?
O que você fez com sua vida, dons talentos, oportunidades, energia, relacionamentos e recursos que Deus lhe deu? Como você usou tudo isso? Em benefício próprio ou para o
propósito de Deus?
Estas perguntas vão prepara-lo para a eternidade: a primeira determina onde você passará a eternidade; (com Deus ou sem Deus?) a segunda determina o que você fará na eternidade (se alegrar ou chorar?).
PENSANDO SOBRE O PROPÓSITO DE MINHA VIDA
– Um tema para reflexão: Viver direcionado por um propósito é o caminho para a paz.
– Um versículo para memorizar: “Tu Senhor, dás a paz e prosperidade às pessoas que têm uma fé firme, às pessoas que confiam em ti.” (Is 26.3 NT LH)
– Uma pergunta para meditar: A opinião de minha família e de meus amigos é a força que dirige minha vida? Que força quero que dirija minha vida?
4 - Criado para ser eterno
“Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem...” Ecl 3.11
Nossa vida não se resume a esta terra.
Estamos aqui na terra sendo preparados para a eternidade. O tempo que passamos aqui é insignificante em relação à eternidade.
O homem foi feito para ser eterno, por isso ele luta contra a morte, ele não quer morrer.
O nosso corpo mortal é apenas a habitação temporária de nosso espírito que é eterno (2 Co 5.1 - ! Co 15.53).
A vida na terra pode nos oferecer muitas opções, mas para a eternidade são só duas: céu e inferno.
“Seu relacionamento com Deus aqui na terra, determinará seu relacionamento com Deus na eternidade.” (Warren 2003 pag. 33)
Ao compreendermos que a vida não se resume ao tempo aqui na terra e que estamos sendo preparados para a eternidade vamos ter uma nova perspectiva de vida e vamos viver diferente, viver à luz da eternidade.
Ao viver à luz da eternidade vamos mudar nossos valores, nossos relacionamentos, trabalho, estudo e até mesmo algo que parecia importante vai se tornar quase insignificante e indigno de atenção maior.
Valorize mais a sua personalidade e seus relacionamentos, bens materiais, devem ficar em segundo lugar (Mt 6.33 – Fl 3.7).
“A morte não é o fim, mas a transição para a eternidade.”(Warren 2203 pag. 34) Por isso suas ações aqui vão soar na eternidade.
”Você deve manter sempre em sua mente a visão da eternidade e em seu coração, o valor que ela representa.” Warren 2003 pag. 34)
A nossa vida não se resume ao aqui e agora, mas temos uma eternidade pela frente. Deus tem algo mais para nós (1 Co 2.9).
O propósito de Deus para sua vida não termina aqui. As pessoas só pensam na eternidade quando estão em um velório, mesmo assim são pensamentos superficiais, pois não têm uma noção do que é a eternidade.
“Se você possui um relacionamento com Deus por meio de Jesus, não é preciso temer a morte. Ela é a porta para a eternidade.”(Warren 2003 pag. 36) (Jô 14.1 e 2 - Hb 13.14) Viva cada dia como se fosse o último, esteja preparado para a eternidade.
PENSANDO SOBRE O PROPÓSITO DE MINHA VIDA
- Um tema para reflexão: Fomos criados para a eternidade.
- Um versículo para memorizar: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim ainda que morra viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá eternamente. Crês isto?
- Uma pergunta para meditar: Uma vez que fui feito para ser eterno, qual é hoje a única coisa que eu deveria parar de fazer e a única que eu deveria começar a fazer?

sexta-feira, 28 de março de 2014

Estudo Bíblico sobre A Quaresma e a Páscoa




Propomos aqui um estudo diferenciado, entre os muitos disponíveis nos livros e revistas. Ele tem duas linhas de apresentação. Primeiramente, vamos falar sobre a base histórica da Quaresma e da Páscoa que a Bíblia apresenta. Em segundo lugar, apresentaremos alguns elementos do amplo e variado campo semântico da teologia da Quaresma e da Páscoa. Foram escolhidas, aqui, algumas palavras que são estreitamente relacionadas à celebração da Páscoa desde o Antigo Testamento até o Novo Testamento. O objetivo deste estudo é equipar o seu estudo bíblico para esses dois períodos litúrgicos, bem como enriquecer a sua prática pastoral.

Contexto histórico

Embora seja certo que a ciência e a fé devam andar de mãos dadas, é preciso afirmar que estas duas grandezas possuem diferentes campos de atuação. A ciência trabalha com a racionalidade e a fé gira em torno da revelação de Deus na história. Assim, o(a) estudante da Bíblia deve ler a Escritura Sagrada com os olhos da razão e da fé, sem receio de ser impedido(a) de compreendê-la.

Israel se constituiu, como povo, em meio ao desmantelamento do período do Bronze e a chegada do Ferro, no Antigo Oriente Médio (século XIII a.C.). O povo, mais tarde chamado Israel, teve sua origem entre os grupos de pastores semi-nômades. As figuras que fazem parte da pré-história dos israelitas - Abraão, Isaac. Jacó, Moisés, entre muitos outros - foram pastores que viveram na periferia, isto é, nas estepes da terra de Canaã. Aqui, faz-se necessário uma explicação: Israel não é nômade, pois não faz uso de camelos, mas ele é semi-nômade, pois vive da criação de carneiros e ovelhas.

Israel teve sua origem na Mesopotâmia, via Harã e Aram. A tradição dos patriarcas é transmigrante, isto é, viajavam muito, mas permaneciam por algum tempo nas regiões visitadas. É difícil saber a razão dessa cultura da transmigração. Seria a busca de uma solução para a vida dura e difícil? Seria a esperança de dias melhores? A teologia bíblica sugere que isso faz parte dos mistérios da fé.

Após a chegada em Canaã, a família de Abraão foi viver na periferia das terras férteis daquela região, já naquela época extremamente cobiçada pelos povos vizinhos. A clã de Abraão não foi viver com os proprietários das terras agrícolas, mas nas regiões montanhosas que circundavam a parte fértil, criando carneiros e ovelhas. Os patriarcas viveram na instabilidade própria das estepes. De um lado, eles mostravam-se frágeis, mas na verdade eles tinham uma economia bastante estável. Não pagavam tributos aos proprietários da terra, já que as estepes não tinham valor econômico para a agricultura. Além disso, os patriarcas tinham liberdade para migrar continuamente. Eles sentiam-se livres para viver. Todavia, a liberdade e o direito de ir e vir não era total: primeiro, eles eram impedidos de viverem nas regiões agrícolas, pertencentes aos cananeus; segundo, eles precisavam de água fornecida pelos poços. Como eles viviam em áreas semi-desérticas, o poço de água era uma raridade. O poço de água constituía-se algo de grande valor para a sobrevivência dos semi-nômades e os seus rebanhos.

Dentre os costumes dos pastores semi-nômades, a Bíblia preservou uma celebração: a Páscoa. Trata-se de uma cerimônia celebrada todos os anos no mesmo período. Ela é conhecida como a cerimônia da passagem da estação da Primavera para o Verão. A razão dessa celebração está nas leis da natureza. É possível viver e cuidar do rebanho, na região das estepes, durante o Outono, Inverno e Primavera. Contudo, não é possível suportar o calor do sol de Verão que queima a pouca pastagem do semi-deserto. Daí, os pastores que vivem nessas regiões são obrigados a migrarem-se para outros lugares em busca de água e alimento. O momento crítico é o da saída. Quando os sinais da chegada do Verão se faziam presentes, numa noite, os pastores celebravam a saída, em busca de outras paragens provisórias para o sustento da vida dos familiares e os seus rebanhos. É a saída para a vida. A cerimônia principal incluía o sacrifício de uma ovelha para que ela servisse de alimento para toda a família.

Quando os pastores semi-nômades, do êxodo, alcançaram a terra de Canaã e agregaram-se aos agricultores cananeus, a celebração da Páscoa ampliou com alguns elementos agrícolas da Festa dos Pães Àzimos ou Asmos.

Por que a ausência de fermento no pão?

Primeiramente, o povo bíblico procurou explicar o motivo através da história, chamando-o "pão da pressa". Entre as mais primitivas prescrições da Páscoa está recomendado que essa refeição deve ser feita "às pressas" (Ex 12.11-12), porque foi no inesperado da calada da noite que os escravos hebreus saíram do Egito.

Em segundo lugar, a ausência de fermento no pão tem a ver com a renovação da vida. Não se pode misturar o antigo com o novo. Precisa-se criar um novo fermento que dará o sentido para a nova vida, agora, em liberdade, na terra de Javé.

A celebração da Páscoa, ao longo dos séculos, antes de Cristo, sofreu algumas alterações de caráter secundário (comparar Ex 12.1-14; 21-28; 43-51; Dt 16.1-8). Contudo, a Páscoa nunca modificou o seu sentido de memória dos grandes atos de Deus em favor do Povo, a fim de que esse gesto possa renovar a esperança daqueles (as) que estão oprimidos(as). É com essa finalidade que Jesus reuniu os seus apóstolos em torno de uma mesa para uma derradeira refeição. A frase que ficou na memória deles foi: "Fazei isso em memória de mim" (Lc 22.14-20).

Contexto semântico

O campo semântico dos temas "Quaresma e Páscoa" é vasto. Escolhemos algumas palavras para analisar, no âmbito do Antigo e do Novo Testamentos.

A) SALVAR

Salvar é um verbo central na Bíblia. A língua hebraica possui muitos verbos que ajudam a mostrar diversidade e a riqueza de significado que salvar possui no contexto bíblico. O verbo salvar tem muitos sinônimos: yasa' = salvar (Êx 1430), ga´al = redimir (Êx 6.6; Os 13.14), padah = resgatar (Êx 13.13, 15; Os 13.14), ´azar= socorrer (Js 10.6), nasal = livrar, libertar (Sl 59.2), palat = salvar (Sl 37.40). Certamente, este o quadro de palavras sinônimas mostra o grande interesse e importância que o tema salvar desempenha dentro do ensino bíblico. Todavia, o verbo yasa´ e seus derivados - hosya´ = ele salva; yesu' = salvação; mosia´= salvador - constituem-se os termos soteriológicos mais usados Biblia. É que yasa' é o verbo usado quando Javé ou o seu Ungido são referidos. Por essa razão, o seu uso não é comum fora do âmbito religioso e teológico.

O conceito "salvar", no Antigo Testamento, possui uma interessante peculiaridade. "Salvar" não carrega uma reflexão poética ou mitológica, mas tão somente um testemunho histórico da ação de Deus em favor dos homens e mulheres, enfim, do mundo. Assim, o ato salvífico de Javé é mostrado, na Bíblia, de forma bastante concreta. O povo sofrido lamenta e clama pela ajuda de Deus (Ex 3.7-22) que, em atenção a essa súplica, providencia toda sorte de auxílio: envia a resposta (Sl 20.6), liberta (Sl 71.2), abençoa (Sl 28.9), salva (Sl 37.40), faz justiça (Sl 54.1), protege (Sl 86.2) e redime (Sl 106.1) o povo que queixa. Assim, a Bíblia vê Javé como aquele que age e produz salvação no meio do povo (Sl 12.5). Por isso, Ele é designado como aquele que realiza atos salvíficos em toda a terra (Sl 74.12).

Salvador é um dos títulos mais usados no Antigo Testamento para designar Javé. O povo bíblico confessará que Javé o havia salvado (Is 17.10; 43.3; 51. 24.25). O nome do grande líder Josué afirma que "Javé é Salvador". O nome de Jesus tem esse mesmo significado (Lc 1.47)

B) DESERTO


No Antigo Testamento

A palavra deserto possui uma forte concentração de significado teológico em toda a Bíblia. Para entender o seu sentido é preciso partir do seu conceito geográfico. O deserto é, primeiramente, descrito como um lugar terrível (Dt 1.19), de estepes e barrancos, seco e escuro que ninguém atravessa e habita (Jr 2.6) e, também, ermo e solitário (Ez 6.14). Apesar dessas conotações negativas, a história salvífica de Javé teve como palco principal o deserto.

A memória do ato libertador de Javé tem o deserto como seu cenário central. A história bíblica narra que o povo israelita, sob a liderança de Moisés, caminhou por quarenta anos no deserto até chegar à Canaã, a terra que mana leite e mel (Êx 3.8). Os profetas disseram que esse foi o tempo mais fértil e significativo da história do povo bíblico (Os 2.14; 13.5-6), e a celebração da Páscoa inclui, na sua liturgia, a dramatização dos eventos do deserto (Êx 12.1-14; Dt 16.1-8).

Foi no deserto que os(as) escravos(as) aprenderam a viver comunitariamente e obedecer ao seu Deus. Além disso, foi no deserto que esse grupo reconheceu que não podia viver de modo egoísta e individualista, mas foi nesse austero espaço que os hebreus renderam desfrutar, de modo comunitário, da graça de Deus. Portanto, deserto é lugar de desolação, mas também da companhia de Deus (Êx 13.21); é o lugar sem fertilidade, mas foi o tempo pleno da palavra e da graça de Deus (Jr 22). No deserto, o peregrino olha para o alto e somente vê o sol escaldante; olha para os lados e somente vê areia quente. A sua única esperança é confiar em Deus. Esta, certamente, foi a experiência daquele bando escravos e escravas libertado por Deus, no Egito. Foi a partir dessa experiência que o profeta Oséias falou pedagogicamente ao povo esquecido e, conseqüentemente, desobediente, durante os dias do Reino de Israel - "Eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração" (2.14).

Novo Testamento

Na tradição pascal veterotestamentária, a celebração da Páscoa precedia o deserto. Na tradição sinótica, o deserto precede a Páscoa. O deserto marcou o início do ministério de Jesus, além de aparecer em algumas vezes história do ministério. Após o batismo, Jesus retirou-se ao deserto onde jejuou, orou e foi tentado. No deserto, após vencer a tentação, Ele foi servido pelos anjos. Deste modo, o deserto é lugar de provação e de providência divina. Diferentemente do povo de Deus na história da peregrinação no deserto, Jesus venceu, a provação e manteve-se fiel a Deus. Por isso, ele não experimentaria a morte às portas da terra prometida, como aconteceu com Moisés. Assim, junta-se deserto e ressurreição na história de Cristo, unindo batismo e eucaristia em um mesmo movimento. Batismo e deserto marcam o início do ministério de Jesus, enquanto a eucaristia e a ressurreição marcam o final.

A partir daí, a Igreja Cristã - como, por exemplo, as comunidades do Apocalipse - enxergam a sua provação como o deserto, onde as águas do dragão tentam engolir a comunidade (a provação) e o deserto engole a água (providência).

C) O NÚMER0 40


No Antigo Testamento

O povo tem tentado entender o significado dos números, porém é, provavelmente, impossível chegar a uma explicação plena e completa. Cada povo constrói uma simbologia muito própria. Portanto, não é possível explicar o significado hebraico do número 40, tomando por base o sentido egípcio ou cananeu.

O número 40, entre os israelitas, certamente, possui um significado teológico que tem sua origem na própria história do povo. É necessário lembrar que os ensinos, hinos, liturgias, ou outra expressão de comunicação, contidos na Bíblia, deverão ser vistas à luz da experiência histórica do povo. Assim deve ser visto o significado do número 40.

No Antigo Testamento, o número 40 ocorre muitas vezes relacionado a momentos significativos da história bíblica. Entre tantas ocorrências, quatro são destaques no Antigo Testamento: o período do dilúvio foi de 40 dias (Gn 7.4); os hebreus caminharam 40 anos pelos desertos até atingir Canaã (Js 5,6); a duração do bom reinado de Davi foi de 40 anos (2Sm 5.4); Elias caminhou 40 dias para encontrar com Deus no Sinai (lRs 19.8). Estas quatro ocorrências estão ligadas a eventos fundantes e significativos na história bíblica do Antigo Testamento. Não deveríamos entender o número 40 como um múltiplo de quatro? O número 4, provavelmente, tem a ver com os quatro pontos cardeais dos quais vêm os quatro ventos que abastecem a terra de oxigênio. O relato da Criação afirma que quatro rios irrigam toda a terra (Gn 2.10-12). Não estaríamos diante do símbolo da intervenção divina que renova a vida e a esperança no mundo? Por tudo isso que foi falado, acima, provavelmente, o número 40 sinaliza o início de um novo período de atividade de Deus.

No Novo Testamento

No NT, o simbolismo do número 40 continua. Por exemplo, Jesus recolhe-se no deserto por 40 dias e 40 noites (Mt 4.3; Mc 1.1; Lc 4.2). Uma outra ocorrência significativa, na vida e obra de Jesus, é mencionada por Atos dos Apóstolos: Jesus, após a ressurreição, permaneceu na terra 40 dias (At 1.3). Certamente, o número 40 lembra a difícil, mas significativa caminhada do povo de Israel no deserto.

D) PÁSCOA


No Antigo Testamento

O nome na Bíblia não é um simples rótulo que se coloca em uma pessoa ou acontecimento para torná-lo mais atraente. O nome representa a realidade profunda do ser que o conduz. Assim é a Páscoa. A palavra páscoa vem do hebraico pesah cujo significado é salto, movimento, caminhada, travessia. O nome pesah está estreitamente ligado à história dos acontecimentos que antecederam a saída dos/as escravos/as hebreus e hebréias, do Egito (Êx 12.11, 21, 27, 43, 48; 34.25), em direção à liberdade e à vida plena, em Canaã.

O termo pesah = salto, travessia, é histórico, mas ganha sentido teológico por várias razões: Deus passou ao largo das portas das casas dos(as) escravos(as) hebreus e hebréias, pintadas com sangue de carneiro sacrificado, e assim, livrando os filhos primogênitos da morte (Êx 12.12-13, 23); Deus fez com que esse grupo de escravos(as) atravessassem os desertos para ganhar a liberdade na terra da promessa, Canaã. Por fim, Deus fez os hebreus e hebréias saltarem da escravidão para a liberdade, da angústia para o prazer de viver e da morte para a vida.

Todos esses motivos históricos levaram os descendentes desses(as) escravos(as) a organizarem uma celebração cúltica onde a ênfase seria lembrar os grandes atos salvíficos de Deus, em favor de seus pais que eram escravos(as) no Egito. Assim, a partir da chegada a Canaã, os(as) descendentes desses(as) escravos(as) passaram a celebrar, uma vez por a o, esse grande salto, dos hebreus, para ganhatem a liberdade. Naturalmente que o nome dessa celebração veio a ser pesah, isto é, páscoa. É suposto que, a partir da chegada em Canaã, fim do século XIII a.C., o povo hebreu celebrou a Páscoa, cuja finalidade primordial é ensinar as futuras gerações que Deus liberta e oferece vida plena a todos/as. Assim, quem celebra a Páscoa aprende que Deus não admite escravidão.

No Novo Testamento

A festa da Páscoa, no cristianismo, é um dos elementos que anuncia a origem judaica da fé cristã. É importante nesse caminho perceber que na celebração da Festa da Páscoa judaica o drama fundante da fé cristã se insere de forma decisiva.

Jesus, na condução da refeição pascal, anunciou o memorial que identificaria as reuniões dos futuros seguidores de seu movimento. A partir da páscoa judaica - providência divina e libertação - o cristianismo anuncia a redenção e a ressurreição. Embora pareçam distintos, esses termos têm profundas ligações com o sentido veterotestamentário.

A morte de Jesus, em meio às celebrações pascais, representou a vitória aparente das forças da morte. Os poderes instituídos venceram o Ungido de Deus. Contudo, a ressurreição é a resposta de Deus que anuncia a vitória definitiva da vida. Com isso, a ressurreição de Cristo representa a providência divina que salva o Ungido e o liberta, desta vez, da força da morte.

Deste modo, a Páscoa cristã relê a concepção judaica antiga, ampliando o campo da libertação para a libertação da morte. Com isso, o sentido de ressurreição do indivíduo - novidade no pensamento judaico - junta-se ao conceito de Páscoa definindo os contornos da fé cristã.

E) MEMÓRIA


No Antigo Testamento

No Antigo Testamento, encontramos dois verbos importantes para a compreensão do significado de celebração e culto: lembrar e esquecer. Evidentemente que lembrar é mais importante que esquecer. Na língua hebraica, lembrar é zakar. A ordem de Moisés aos escravos hebreus, no Egito, explica bem o valor de zakar = lembrar para aquele povo em formação:

"Lembrai-vos deste mesmo dia, em que saíste do Egito, da casa da servidão; pois com mão forte Javé vos tirou de lá..." (Êx 13.3).

Por outro do, xakah = esquecer possui o significado de apagar da memória tudo o que Deus fez em favor do ser humano e do mundo. Assim, a recomendação de Moisés transformou-se na mente que deu motivo e razão a toda festa ou celebração comunitária. Por isso a recomendação bíblica é enfática e urgente: "Lembrai-vos e não vos esqueçais" (Dt 9.7).

No Antigo Testamento, os verbos lembrar e esquecer estão muito relacionados à atuação de Deus mundo. Assim, não é encontrada indicação bíblica para que o povo lembre e celebre a data de aniversário de algum líder do povo. A recomendação bíblica é para que o povo lembre, primeiramente, dos atos salvíficos de Deus em favor de homens e mulheres ao longo da história. Ao mesmo tempo, a necessidade de uma ordem na comunidade fez com que os Líderes apelassem para que povo lembrasse dos mandamentos divinos.

A importância de lembrar é, na Bíblia, tão grande e fundamental para a existência da humanidade do povo bíblico que legisladores (Nm 15.39), historiadores (Dt 6.5-9; 26.20-24), sacerdotes (Sl 136), profetas (Jr 2.2; Mq 6.1-5), sábios (Ec 12.1) recomendavam ao povo a guardar na memória, bem como celebrar, os favores de Deus. Para a Bíblia, zakar = lembrar é criar, construir e lançar as bases de um povo, enquanto que esquecer é o mesmo que destruir e fazer morrer a esperança.

No Novo Testamento

A memória é a base da sobrevivência do povo judeu. Começando pela lembrança da criação e a conseqüente manutenção da vida por Deus, passando pelos atos do passado, que confirmam a ação de Deus em favor de seu povo e garantem o futuro escatológico, chega, inclusive, até a perpetuação do nome.

O verbo relembrar aparece poucas vezes no Novo Testamento, sendo que, nestas poucas vezes há uma maior concentração em textos litúrgicos, de modo especial nos textos eucarísticos, isto é, ligados à Celebração da Ceia do Senhor. Paulo usa esse verbo quando ele quer chamar a atenção da comunidade de Corinto sobre a tradição eucarística que ele recebeu (l Co 11.24). Na maioria dos casos, o uso do verbo está associado ao contexto veterotestamentário do relembrar para não morrer. Tanto que, mesmo no uso negativo do verbo que o livro de Hebreus faz, há diálogo com a tradição do AT. Para Hebreus (10.3), o relembrar da tradição mantém viva a consciência do pecado. Deste modo, para a epístola, o sacrifício de Jesus supera esse relembrar constante.

A tradição veterotestamentária fecunda os poucos textos do Novo Testamento, onde a maior parte aponta para a importância do memorial pascal e da própria pessoa de Cristo e se tornam em sinalização presente dos atos salvíficos de Deus. A pessoa de Cristo e o Espírito Santo se tornam em atualização constante da memória salvífica.

F) OVELHA, CARNEIRO


No Antigo Testamento

Entre os elementos da refeição pascal, a carne animal é, no Antigo Testamento, a mais constante, em todas as prescrições. O animal que fornece a carne para o sacrifício pascal é o kebes ou keseb cordeiro macho. A literatura do Antigo Testamento mostra que esse anima era muito querido pelo povo bíblico, por várias razões: (a) o kebes = carneiro era considerado o animal doméstico mais popular, por Israel e os povos vizinhos; (b) em Israel era proibido castra-lo ou mesmo adquiri-lo estéril de outros povo: (Lv 22.24-25); (c) não é por acaso que a legislação determinava o carneiro como animal mais desejado para o sacrifício (Êx 125); (d) ele é usado metaforicamente para exaltar a afetividade entre o ser humano e o animal (2Sm 12,3) que dá força coragem ao pastor para defendê-la do perigo (l Sm 17.34; Ez 34.1-31). Por essas razões, Israel era comparado a uma ovelha desgarrada (Sl 119.176). Contudo, o exemplo mais claro encontra-se no 4º canto do Servo de Javé (Is 52.13-53.12), quando, numa riquíssima metáfora, o povo exilado na Babilônia é comparado a uma inocente ovelha (Is 53.7).

A razão do grande carinho do povo bíblico pelo carneiro ou a ovelha tem um motivo histórico. Inicialmente, Israel foi um povo das estepes que circundavam as cobiçadas regiões agrícolas; após a chegada a Canaã, o povo bíblico alcançou as montanhas da Palestina (Jz 1.19, 27-29), e somente, mais tarde, é que eles conquistaram as planícies, tornando-se agricultores. Assim, o carneiro e a ovelha fizeram parte da história do povo bíblico nas duas primeiras fases de sua vida. Além de alimentar e proteger o povo do frio, esse animal era o símbolo da mansidão.

No Novo Testamento

O Novo Testamento usa o termo cordeiro poucas vezes. A partir da tradução da Bíblia Hebraica para o grego, (Septuaginta), há uma distinção entre a ovelha (próbaton) e cordeiro (amnós). Amnós designava o cordeiro de um ano. Essa condição era requerida para o sacrifício expiatório da tradição veterotestamentária. O cristianismo em seus escritos canônicos usa a figura do cordeiro para explicar a morte de Jesus. Ele aparece como o cordeiro que redime todo o povo (Jo 1.29-34; I Pd 1.19).

Com isso, o escândalo da cruz ganha um sentido teológico de expiação do pecado. Jesus, com sua morte, assumiu o papel de cordeiro que, mediante o sangue, expia o pecado. Esse sentido vicário surge como uma releitura do impacto negativo que a cruz causou na comunidade (que Paulo define com o termo escândalo).

G) REFEIÇÃO PASCAL


No Antigo Testamento

As prescrições para a refeição pascal não são uniformes e fáceis de compreendê-las na ordem cronológica. Todavia, tomemos uma das reportagens encontradas no Antigo Testamento (Êx 12.1-14) para esboçar a qualidade da refeição pascal.
Provavelmente, este texto contém alguns elementos primitivos dessa celebração. Primeiro, o sacrifício da ovelha deveria ser realizado no crepúsculo do dia 14 do 1º mês do ano. Segundo, o animal a ser sacrificado deveria estar escolhido e separado a partir do dia 10. Terceiro, a oferta deveria ser comida por todos os membros da família, bem como dos vizinhos e amigos convidados. Quarto, o animal deveria ser escolhido do rebanho jovem de carneiro, não devendo apresentar qualquer defeito ou mancha. Quinto, o sangue do carneiro deveria ser passado nas portas e nas travessas das casas. Sexto, a carne do carneiro sacrificado deverá ser assada no fogo e comida, à noite, acompanhada de pães ázimos e ervas amargas. Sétimo, era proibido comer carne crua ou cozida na água, bem como algumas partes do animal, como a cabeça, as vísceras e as pernas. Oitavo, toda a refeição prescrita deveria ser comida apressadamente, numa atmosfera de dramatização, isto é, com lombos cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão. Nono, as ofertas deveriam ser comidas dentro da casa, até o alvorecer. O que restasse dessa refeição deveria ser totalmente queimada.

De tudo o que foi esboçado, a partir do relato de Êxodo 12.1-14, algumas conclusões ficam salientes: (1) essa liturgia pascal quer destacar a importância da família para a sobrevivência futura do povo bíblico; (2) o valor da mesa de refeição não é somente para o alimento físico, mas também serve para o fortalecimento dos laços comunitários e com Deus; (3) essa reunião destinava-se manter viva a memória de libertação do povo, através da dramatização dos fatos ocorridos durante o processo de fuga da escravidão egípcia.

No Novo Testamento

A refeição comunitária é um dos elementos importantes na fé israelita. Na fé veterotestamentária, ela define etnia e família. Por isso, era uma questão complicada para um judeu a refeição com um não judeu. O cristianismo conservou esse elemento importante da fé cristã, mas dando-lhe um sentido mais amplo, onde a refeição definia o povo de Deus, que não era retratado nem sanguineamente e nem geograficamente, mas sim pelo conceito da confissão de fé (aqueles que fazem a vontade de meu Pai).

Nos eventos pascais que marcaram a paixão de Cristo, a refeição inicia e conclui o drama. Antes da prisão, Jesus come a refeição pascal com seus discípulos e institui o memorial da Páscoa. Após a ressurreição, Jesus revive a refeição pascal, comendo com os discípulos (Lc 24,30ss; Mc 16.14).

H) RESSURREIÇÃO

O conceito de ressurreição é um conceito muito tardio na fé judaica. Alguns profetas anunciaram a ressurreição do povo como uma expectativa de redenção do povo. A ressurreição do indivíduo só vai aparecer no pensamento judaico a partir do 2º século a.C. É uma das expectativas importantes que irá fecundar o pensamento apocalíptico, que surge nesse período. Deste modo, soma-se a ressurreição dois outros importantes temas teológicos: fé em um mundo vindouro, que significaria a intervenção definitiva de Deus na história humana e o julgamento escatológico, onde os bons serão punidos e os injustos serão condenados.

No conceito de ressurreição, mais do que a vitória definitiva da vida sobre a morte, aparece o conceito da justiça divina que será exercida no momento da implementação definitiva do Reino de Deus (Reino da Justiça). É comum nos extratos mais antigos do Novo Testamento o uso do verbo levantar (egeiro) no passivo, demonstrando com isso a ação divina na salvação de Jesus da morte. Este sentido é, também, aplicado a comunidade cristã a qual participa da morte e, conseqüentemente, da ressurreição de Jesus.

I) JEJUM

Jejum - na língua hebraica sum - é a abstenção de alimento por um espaço de tempo. O jejum era um elemento da prática religiosa israelita. Todavia, ele era também praticado por pessoas de muitas religiões antigas. No Antigo Testamento, o jejum tem alguns objetivos:

- ele sinaliza o pesar de alguém, em vista do falecimento de um ente querido (lSm 31.13; 2 Sm 1.12; 3.35) ou de um desastre nacional (Ne 1.4);

- ele mostra o sentimento de arrependimento de alguém, por um gesto indevido. Essa atitude de arrependimento caracteriza-se como um gesto de auto-humilhação (Ne 9.1-3; Jr 14.12; Jl 1.14; S1 35.13-14);

- o jejum é um exercício de fé destinado a chamar a atenção de Deus, em vista de um perigo iminente (2Sm 12.16-25; Jr 36.9; Jn 3,5);

- o jejum acontece quando alguém tem que tomar uma decisão difícil ou iniciar uma missão importante e espinhosa (Et 4.16). A prática do jejum não teve, na Bíblia, aprovação unânime do povo. Alguns profetas criticaram a prática do jejum, porque ele tinha se tornado um rito meramente externo sem sentimento interior (Is 58.1-14; Jr 14,2; Zc 7.1-7). Após a destruição de Jerusalém (587 a.C.) e o exílio na Babilônia, houve uma enorme valorização da prática do jejum.

No Novo Testamento, o jejum é pouco citado, provavelmente em razão da excessiva valorização dada pelos fariseus. Jesus mostrou-se indiferente quanto ao jejum (Mt 6.16-18; Mc 2.18-20), mas não o excluiu (Mt 4.1-11). Antes, sugere que ele seja praticado às ocultas, em casa, para que ele não se torne um meio de promoção pessoal. A Igreja Primitiva adotou o jejum (At 13.2-3; 14.23) como preparação para a escolha de seus líderes, mas nas cartas dos apóstolos, o jejum não é mencionado.

terça-feira, 25 de março de 2014

O Legado de Moisés.



Aula 13ª





1º Trimestre/2014
 
Texto Básico: Deuteronômio 34:10-12; Hebreus 11:23-29
 
"Era Moisés da idade de cento e vinte anos quando morreu; os seus olhos nunca se escureceram, nem perdeu ele o seu vigor" (Dt 34:7). 

INTRODUÇÃO

Moisés foi, sem dúvida alguma, uma das maiores personalidades e um dos maiores heróis da fé de todos os tempos. O seu legado para o povo de Israel, para a humanidade como um todo e para a Igreja até os dias de hoje é enorme. Neste capítulo, dentro do que nossa proposta sintética permite, queremos apresentar alguns pontos importantíssimos desse legado, relembrando aspectos especiais e inspiradores da vida e da obra desse homem de Deus, destacando os efeitos de seu ministério até os nossos dias e a importância do exemplo de Moisés para os crentes em Cristo de todos os tempos.
Primeiro, falaremos do legado de Moisés para o povo judeu; em seguida, de sua importância para a humanidade como um todo; e, por fim, e mais atentamente, analisaremos os exemplos instigantes de sua vida e ministério para a vida do crente.

O Legado de Moisés para o Povo Judeu A formação de uma nação

Moisés foi o instrumento que Deus usou para que Israel se tornasse, enfim, uma nação, conforme Ele havia prometido aos patriarcas Abraão, Isaque e jacó (Gn 15.5,7; 17.5-8; 26.3,4,24; 28.4,13-15; 35.9-13). Toda nação precisa de uma identidade, de uma cultura própria, de uma língua, de valores, de leis pelas quais serão regidos, e Moisés foi usado por Deus para dar tudo isso a Israel.
Por meio de seu ministério, a identidade religiosa e os valores que deveriam pautar e guiar o povo foram definidos em detalhes; uma cultura nova foi formada, diferente em muitos aspectos da cultura das nações vizinhas; a língua hebraica ganhou o seu primeiro grande texto a Torá (o Pentateuco) — que lhe daria perpetuidade e ser-lhe-ia referência na história dos povos; e uma legislação revolucionária e um completo sistema de organização social foram concedidos aos israelitas, que, agora, finalmente, podiam se perceber e ser reconhecidos como uma nação, um novo povo. Mesmo quando sofreu o exílio e a diáspora, Israel continuou a ser reconhecido como uma nação, conquanto seu território tenha passado, durante séculos, sem a sua presença maciça ou o seu governo. Uma fé e uma religião estruturadas
O Deus de Israel era o Deus de Abraão, Isaque e Jacó, porém a fé e o culto hebreus ainda careciam de uma normatização e organização, até que Deus os estruturou, por intermédio de Moisés, como vimos detidamente nos capítulos 9, 11 e 12 deste livro. Em Romanos 9.4,5, o apóstolo Paulo lembra que Deus deu a Israel sete coisas: tornou os israelitas seus filhos por adoção, repartiu com eles um pouco da sua glória, fez-lhes uma aliança e deu-lhes os patriarcas (Abraão, Isaque e Jacó), a legislação, o culto e as promessas; e ainda, por meio deles, o Messias, Jesus (Rm 9.5). Tudo isso é o que distinguia Israel das outras nações, fazendo dele o povo eleito. Porém, como sabemos, houve a rejeição de Israel à vontade de Deus e, consequentemente, a rejeição divina a Israel, que são os temas dos capítulos 9 a 11 de Romanos, os quais terminam
"Moisés foi o instrumento que Deus usou para que Israel se tornasse, enfim, uma nação, conforme Ele patriarcas Jacó”revelando que a rejeição de Israel não é final e que Deus haverá de restaurar Israel no fim dos tempos (Rm 11.25-28).
As Escrituras Sagradas do Pentateuco, um salmo e, provavelmente, o Livro de Jó
O grande legado de Moisés está expresso em suas obras que atravessaram séculos, chegando até os nossos dias e formando parte significativa e basilar do cânone veterotestamentário. São de Moisés o Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), o Salmo 90 (que é, portanto, o mais antigo salmo de Israel) e provavelmente também o belíssimo Livro de Jó. A riqueza e a importância histórica, social, espiritual e literária dessas obras para o mundo revelam a grandeza do ministério desse grande homem de Deus para o seu povo e para toda a humanidade.

O Legado de Moisés para a Humanidade A legislação hebraica

Já nos dedicamos, no capítulo 10, a demonstrar alguns dos muitos aspectos revolucionários da legislação hebraica para a história do Direito no mundo. Ela foi revolucionária para a sua época e, tempos depois, serviria de inspiração para muitos avanços legais saudáveis com os quais já estamos muito habituados em nossos dias, mas que, na época de Moisés, se constituíam uma grande inovação. Dentre seus muitos aspectos revolucionários, a legislação hebraica, por exemplo, “atribuía um grande valor à vida humana, exigia um grande respeito para com a honra da mulher e conferia mais dignidade à posição do escravo do que poderíamos encontrar em qualquer um dos códigos legais das outras nações do Oriente Próximo”.1 Mais detalhes no já referido capítulo 10.
Os valores judaicos
Não à toa, costuma-se chamar os valores tradicionais do Ocidente, que foram responsáveis pela sua formação e se constituem a base de todas as suas conquistas, de valores judaico-cristãos. Os princípios do Decálogo (Ex 20.1-17), por exemplo, ajudaram a moldar todos os valores do Ocidente, juntamente com o cristianismo.

O Legado de Moisés para a Igreja Seu exemplo de fé

Ao elaborar uma “Galeria de Heróis da Fé” do Antigo Testamento, o escritor da Epístola aos Hebreus coloca entre os seus destaques, como não poderia deixar de ser, Moisés (Hb 11.23-29). Chama a atenção, na descrição que ele faz do grande líder hebreu, principalmente o que lemos nos versículos 24 a 27:
Pela fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, escolhendo, antes, ser maltratado com o povo de Deus do que, por um pouco de tempo, ter o gozo do pecado; tendo, por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito, porque tinha em vista a recompensa. Pela fé, deixou o Egito, não temendo a ira do rei; porque ficou firme, como vendo o invisível.
Somente um homem que ama e serve a Deus com uma fé robusta rejeita completamente as riquezas e a glória do mundo, preferindo sofrer fazendo a obra do Senhor. Moisés não tomava as suas decisões baseado simplesmente no que a lógica humana e os seus cinco sentidos lhe diziam, mas tinha em vista a importância histórica e espiritual do que estava fazendo e “a recompensa” que receberia do seu Senhor pela sua fidelidade ao seu chamado. Ele via além do que poderia perceber a maioria das pessoas do seu tempo, porque ele via “o invisível”.
Ademais, somente um homem que ama e serve a Deus com uma fé robusta não empalidece diante das adversidades mais intensas, não esmorece diante dos poderosos e das circunstâncias prementes que o pressionam a abandonar a vontade divina. A Bíblia diz que Moisés desprezou completamente “a ira do rei”, a oposição dos grandes e poderosos deste mundo, e “ficou firme”, porque está “vendo o invisível”.
 “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não veem” (Hb 11.1). Seu exemplo de lide- ' rança
Moisés foi um líder notável, que aguentou o que pouquíssimos ou ninguém — em sua época aguentaria. Ele guiou brilhantemente milhões de pessoas pelo deserto, resistiu à oposição com firmeza; soube superar os momentos de crise, tensão, desânimo e revolta; levou o povo ao arrependimento várias vezes; organizou aqueles ex - escravos como uma sociedade; deu a eles uma identidade como nação; soube ouvir os conselhos de seu sogro, Jetro, (Ex 18.13-27) e preparou muito bem o seu sucessor — Josué.

Seu exemplo de paciência

Números 12.3 nos lembra que “era o varão Moisés mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra”. E era preciso ser muito temperante mesmo para suportar todas as adversidades e pressões que ele enfrentou. Aliás, isso mostra quão poderosa foi a transformação que Deus fez em Moisés, que antes fora precipitado e assassino (Êx 2.11-13).
O termo hebraico traduzido por “manso” em Números 12.3 é anãw(עָנָו), que significa “humilde”, “pobre”, “simples”. No sentido em que ele é usado aqui, descreve, segundo o Dicionário Vine, “a condição objetiva e também a postura subjetiva de Moisés” como um homem “completamente dependente de Deus” e que “via o que era”.2 O fato de Moisés, mesmo tendo tanto autocontrole que Deus lhe dava, não ter entrado na Terra Prometida com o povo justamente porque pecou ao perder o controle, fazendo algo diferente do que Deus lhe determinara (Nm 20.7-12), só evidencia o quanto somos dependentes da graça de Deus.
Mesmo um homem impetuoso e assassino como o jovem Moisés pode se tornar, quarenta anos depois, um homem extremamente manso e humilde, em virtude da graça transformadora de Deus; e mesmo o homem mais humilde e manso da Terra pela graça de Deus pode ter momentos de fraqueza e perder seu autocontrole se não tiver cuidado, como aconteceu com Moisés. Súmula da história: somos dependentes da graça divina, do poder do Espírito Santo, tanto para desenvolvermos a temperança quanto para mantemo-nos no centro da vontade de Deus, humildes e temperantes, sejam quais forem as circunstâncias.
Não por acaso, a temperança é apresentada na Bíblia como um dos gomos do fruto do Espírito, que se chama fruto do Espírito exatamente porque é produzido em nós pela ação do Espírito Santo de Deus, isto é, quando nos entregamos à ação dEle em nossa vida (G1 5.22,23).
Que Deus nos dê graça para seguirmos o bom exemplo desse homem de Deus, que, tirando o episódio das águas de Meribá (Nm 20.7-13), durante seus quarenta anos de ministério, nada fez “por contenda ou por vanglória, mas por humildade” (Fp 1.3) e zelo ardente pela obra de Deus.
Seu exemplo como intercessor
Moisés foi grande sacerdote do povo juntamente com Arão, e primeiro que ele (SI 99.6). Ele intercedeu decisivamente pelo povo de Israel em momentos de enorme crise (Êx 15.25; 33.1-17; Nm 14.13-25).
Seu exemplo de integridade
Moisés teve muitas oportunidades de corromper a sua integridade, mas escolheu manter-se íntegro. Ele, por exemplo, preferiu sofrer com o povo de Israel a gozar a glória e os prazeres do Egito, sendo fiel ao seu chamado (Hb 11.24-26).
Seu exemplo de persistência
Apesar de tantos momentos difíceis que Moisés vivenciou em sua trajetória espiritual, ele permaneceu firme, porque estava “vendo o invisível” (Hb 11.27). Sua persistência era derivada diretamente de sua fé em Deus. Como sublinha a Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal, “é fácil ser enganado pelos benefícios temporários da riqueza, da popularidade, da posição social e da conquista, e ficar cego em relação aos benefícios de longo prazo do Reino de Deus. A fé nos ajuda a olhar além do sistema de valores do mundo, para que possamos enxergar os valores eternos do Reino de Deus”.3
Seu exemplo de comunhão com Deus
A Bíblia nos mostra que Moisés cultivava uma vida de oração, mantendo um relacionamento muito íntimo com Deus: “Falava o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala com o seu amigo” (Ex 33.11). Como frisa Matthew Henry, “isto sugere que Deus se revelou a Moisés, não só com clareza e evidências maiores da luz divina do que a qualquer outro dos profetas, mas também com expressões particulares e ainda maiores de bondade e graça. Ele fala não como um príncipe a um súdito, mas como qualquer fala com o seu amigo, a quem ama”.4
Deus também quer ter hoje um relacionamento íntimo conosco! Como destaca a Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal, “Moisés desfrutou tal favor de Deus não porque era perfeito, genial ou poderoso, mas porque Deus o escolheu. Por sua vez, Moisés confiou inteiramente na sabedoria e direção de Deus. A amizade com Deus era um verdadeiro privilégio para Moisés, e estava [nesse nível] fora do alcance dos hebreus. Mas, hoje, ela não é inalcançável para nós. Jesus chamou seus discípulos e, por extensão, todos os seus seguidores — de amigos (Jo 15.15). Ele o chamou para ser seu amigo. Você confiaria nEle como fez Moisés?”.5
O Cântico de Moisés
A Bíblia afirma que quando o povo estava para entrar em Canaã, Deus deu ordem a Moisés para que compusesse um cântico contendo um resumo de sua exortação ao povo e o ensinasse aos filhos de Israel (Dt 31.19). Deus sabia que os cânticos podem ser aprendidos e transmitidos com facilidade, por isso os viu como um meio perfeito para que a sua exortação fosse gravada na mente do seu povo. Deus sabia que a sua exortação seria mais eficientemente ensinada e lembrada dessa forma, pois, sendo cantada, estaria “na boca do povo” (“ensinai-o [...] ponde-o na sua boca”). Esse cântico está registrado em Deuteronômio 32.1-43.
Depois de apresentá-lo a Israel, Moisés disse: “Aplicai o vosso coração a todas as palavras que hoje testifico entre vós, para que as recomendeis a vossos filhos, para que tenham cuidado de cumprir todas as palavras desta lei. Porque esta palavra não vos é vã; antes, é a vossa vida
(Dt 32.46,47, grifo meu).
“É a vossa vida!” Verdades vitais condensadas em um hino; a vida condensada em um hino.
Ainda hoje, hinos, quando inspirados por Deus, são, por assim dizer, pequenas cápsulas de vida condensada, tendo o poder de renovar corações mortificados, aquecer corações arrefecidos e liquefazer almas empedernidas. Assim como, quando uma canção é eivada de conteúdo maligno, é uma cápsula de veneno e morte condensados.

As Profecias de Moisés Profecia sobre Jesus

Em Deuteronômio 18.15, Moisés profetizou sobre Jesus, referindo-se a Ele como “um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis”. O texto de Deuteronômio 18.15-22 fala implicitamente de mais de um profeta — ou seja, o termo “profeta” ali aparece, em alguns momentos, em alusão a uma sucessão de profetas que Deus levantaria para tratar com Israel. Porém, o versículo 15 parece se referir a um profeta especial, de maneira que, durante séculos, os judeus estiveram a procurar esse “O Profeta” pós-Moisés, como destacam textos como João 1.21 e 7.40, quando os judeus se perguntavam se João Batista ou Jesus seriam esse “O Profeta”. O apóstolo Pedro, em sua pregação no Dia de Pentecostes, e o diácono Estêvão, primeiro mártir da Igreja, em seu discurso diante de seus algozes em Jerusalém, mencionaram essa profecia como tendo o seu cumprimento em Jesus (At 7.37).
Profecias sobre o destino de cada uma das doze tribos de Israel
Como Isaque e Jacó abençoaram seus respectivos filhos antes de morrer, Moisés, sob a orientação do Espírito Santo, abençoou os filhos de Israel antes de falecer (Dt 33.1-29). O detalhe é que, ao invocar as bênçãos conforme as tribos de Israel, Moisés omite Simeão, que seria absorvida pela tribo de Judá (Js 19.2-9), mas o número 12 é preservado contando-se José como sendo dois — Efraim e Manassés, seus dois filhos (Dt
33.17). As primeiras tribos a serem abençoadas são as correspondentes aos filhos de Jacó com suas esposas Leia e Raquel; em seguida, é a vez das tribos correspondentes aos filhos de Israel com suas servas Bila e Zilpa.
Como ressalta a Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal, o que chama mais a atenção nessas bênçãos de Moisés sobre as doze tribos é “a diferença entre as bênçãos que Deus deu a cada tribo: para uma, Ele deu a melhor terra; e para outra, força ou segurança”. Isso nos faz lembrar que muita gente, com frequência, ao ver alguém com uma bênção específica, pensa que “Deus deve amar aquela pessoa mais do que outra”, mas a verdade é que “Deus distribui talentos únicos às pessoas. Todos esses talentos são necessários para que seu plano seja realizado”. Portanto, “não tenha inveja dos dons ou presentes que as pessoas recebem de Deus. Olhe para o que Deus tem dado a você e cumpra as tarefas que Ele o qualificou de maneira única para realizar”. Outro detalhe é que a tribo de Gade recebeu a melhor parte da terra (Dt 33.20,21), mas isso tem uma razão de ser: Gade “obedeceu a Deus punindo os malignos inimigos de Israel”.6
A Morte de Moisés
A Bíblia diz que quando Moisés faleceu, ele estava com 120 anos, que era uma idade já bem longeva para os padrões da época, conforme depoimento do próprio Moisés (SI 90.10). Não obstante, “os seus olhos nunca se escureceram, nem perdeu ele o seu vigor” (Dt 34.7).
O último capítulo de Deuteronômio, que é o único capítulo do Pentateuco que não foi escrito por Moisés, registra que, após a morte do legislador de Israel, o reconhecimento e o amor do povo era tão grande por ele que “os filhos de Israel prantearam a Moisés trinta dias, nas campinas de Moabe” (Dt 34.8).
O relato que Flávio Josefo, historiador judeu do primeiro século d.C., faz das reações do povo de Israel e do próprio Moisés por ocasião de sua despedida, conforme a tradição que havia sido passada aos judeus até os dias do célebre historiador, é extremamente tocante. Claro que, eventualmente, pode haver um ou outro exagero aqui e acolá nesse relato, mas não se pode duvidar que muito dessa narrativa, que reproduzimos a seguir e que atravessou gerações, é carregado de verdade. Vale a pena lê-la:
Depois que Moisés assim lhes falou, predisse a cada uma das tribos o que lhes deveria acontecer e desejou-lhes mil bênçãos. Toda essa enorme multidão não pôde por mais tempo reter as lágrimas; homens e mulheres, grandes e pequenos, demonstraram igualmente sua pena por perder um chefe tão ilustre; não houve nem mesmo criança que não derramasse lágrimas; sua eminente virtude não podia ser ignorada nem mesmo pelos dessa idade. As pessoas sensatas, umas deploravam a gravidade de sua perda para o futuro e outras queixavam-se de não terem compreendido bastante que felicidade era para ele ter um tal chefe e guia e serem privados dele quando o começavam a conhecer.
Nada, porém, demonstrou até que ponto chegava sua aflição como o que aconteceu a esse grande legislador. Pois ainda que ele estivesse persuadido de que não era necessário chorar à hora da morte, pois ela vem por vontade de Deus e por uma lei indispensável da natureza, ele, no entanto, ficou tão comovido pelas lágrimas de todo o povo que ele mesmo não pôde deixar de chorar. Caminhou depois para onde deveria terminar a vida e todos seguiram-no gemendo. Ele fez sinal com a mão aos que estavam mais afastados para que parassem e rogou aos que estavam mais próximos que não o afligissem mais ainda seguindo-o com tantas demonstrações de afeto. Assim, para obedecer, eles pararam e todos, juntamente, lamentavam sua infelicidade por tão grande perda.
Os senadores [anciãos], Eleazar, o grão-sacrificador [sumo sacerdote], e Josué, o comandante do exército, foram os únicos que o acompanharam. Quando ele chegou ao monte Nebo, que está em frente a Jericó, tão alto que de lá se vê todo o país de Canaã, despediu-se dos senadores [anciãos], abraçou a Eleazar e Josué, e deu-lhes seu último adeus. Ainda ele falava quando uma nuvem o rodeou e ele foi levado a um vale. Os livros santos que ele nos deixou dizem que morreu porque temia que não se acreditasse que ele ainda estaria vivo, arrebatado ao céu, por causa da sua eminente santidade. Faltava somente um mês para que, dos cento e vinte anos que viveu, ele passasse quarenta no governo de todo esse grande povo, cuja direção Deus lhe havia confiado. Ele morreu no primeiro dia do último mês do ano, que os macedônios chamam Dystros e os hebreus, Adar.
Jamais homem algum igualou em sabedoria a este ilustre legislador, jamais alguém soube, como ele, tomar sempre as melhores resoluções e tão bem pô-las em prática; jamais algum outro se lhe pôde comparar na maneira de tratar com um povo, governá-lo e persuadido, pela força de suas palavras. Sempre foi tão senhor de suas paixões que parecia até que delas havia sido isento e que as conhecia apenas pelos efeitos que via nos outros. Sua ciência na guerra pôde dar-lhe um lugar entre os maiores generais e nenhum outro teve o dom de profecia em tão alto grau; suas palavras eram outros tantos oráculos, e parecia que o próprio Deus falava por sua boca. O povo chorou-o durante trinta dias e nenhuma outra perda lhe foi jamais tão sensível. Mas ele não foi chorado somente por aqueles que tiveram a felicidade de o conhecer, mas também por aqueles que conheceram as leis admiráveis que ele nos deixou, porque a santidade que nelas se nota não pode permitir dúvidas sobre a eminente virtude do legislador.7

Não sabemos onde a sepultura de Moisés se encontra aliás, ninguém sabe, desde aquela época (Dt 34.6b) até hoje. A única informação é que Deus mesmo o sepultou “num vale, na terra de Moabe, defronte de Bete-Peor” (Dt 34.6a). Deus fez com que sua sepultura nunca fosse encontrada para que, provavelmente, não se criasse uma idolatria e romaria em torno do túmulo de seu servo. O apóstolo Judas nos fala da altercação do arcanjo Miguel com Satanás sobre o corpo de Moisés (Jd 9). Não sabemos o porquê do interesse de Satanás pelo corpo de Moisés, mas a tradição judaica afirma que tal altercação se deu porque Satanás sustentava que Moisés não era digno de um sepultamento decente, ainda mais feito pelo próprio Deus, por ter sido um homicida em sua juventude (Ex 2.11,12). Miguel, que guardava o corpo de Moisés, apenas lhe respondeu: “O Senhor te repreenda”.
O exemplo de Moisés como líder e homem de Deus nunca será esquecido. Sobretudo pelos últimos quarenta anos de sua vida, ele sempre será lembrado como um exemplo de fé, vida de santidade, seriedade, liderança, sabedoria, paciência, fidelidade ao chamado divino e vida dedicada totalmente ao Senhor.
Como escreveu o autor da Epístola aos Hebreus, referindo-se à nossa responsabilidade hoje diante do que fizeram os grandes heróis da fé do Antigo Testamento, dentre eles Moisés (Hb 11.23-29), “nós também, pois, que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas [os heróis da fé do Antigo Testamento], deixemos todo embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia e corramos, com paciência, a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e consumador da fé” (Hb 12.1,2). Amém!

Quem pode tomar a Santa Ceia?

  De acordo com a Bíblia, se você é salvo, você pode tomar a Santa Ceia.   Cada um deve examinar a si mesmo antes de participar da Santa Cei...